Apresentamos hoje mais uma entrevista com o “nosso” atleta Norberto Mourão – bi-amputado dos membros inferiores – mais um “filho da terra”!
Jornal de Camarate - Olá Norberto, antes de mais deixa-me agradecer-te por teres aceitado dar esta entrevista.
Não é a tua primeira entrevista, o que torna este desafio mais complicado mas vamos a isto.
Antes de falarmos no teu dia-a-dia de hoje, vamos puxar as memórias atrás:
“vou voltar a fazer tudo o que eu fazia antes!”
É uma frase tua, após o teu infortúnio, o que fazias antes?
Norberto Mourão – Olá. Em primeiro lugar quero-vos agradecer o convite para esta entrevista, a meu ver é muito importante dar a conhecer as gentes de Camarate.
É verdade, essa foi é uma frase minha, dita após o acidente e sempre serviu como motivação para alcançar todos os meus objectivos desde essa altura.
Antes do acidente andava (como digo muitas vezes na brincadeira) perdido no meio da farinha :P era Pasteleiro à 9 anos, desde os meus 19 anos até ao dia do acidente.
JC - Quais eram os teus passatempos? Já fazias desporto?
Norberto Mourão – Sempre fui um rapaz que gostou de estar com os amigos a brincar na rua, Camarate dá essa possibilidade a todos os seus jovens, crescer de forma saudável a brincar na rua. Nas ruas uma das coisas que mais fazemos é correr e jogar à bola, por isso o desporto acabou por fazer sempre parte da minha vida.
JC - Profissionalmente eras pasteleiro, o que te levou à pastelaria? Continuas a sê-lo?
Norberto Mourão – É verdade, fui pasteleiro durante 9 anos, até ao meu acidente.
O meu irmão também é pasteleiro e quando eu tinha 19 anos ele precisou de alguém para o ajudar, eu naquela altura estava a acabar o 12º ano, mas lá fui ajuda-lo e acabei por ficar lá a trabalhar durante cerca de 2 anos, durante esse tempo ele ensinou-me tudo o que ele sabia. Antes de ir trabalhar com ele, eu nunca gostei de fazer bolos, muitas vezes ele pedia-me para o ajudar a fazer bolos em casa e eu não o ajudava, preferia não os comer, no entanto a vida é mesmo assim, surpreende-nos, fazer bolos acabou por ser a minha profissão. Dediquei-me a 100% à profissão e ganhei o gosto pelo que fazia. Em tudo na vida, temos de fazer as coisas com gosto, isso torna tudo mais simples e deixa de ser algo que não gostamos de fazer. A partir do acidente deixei de trabalhar em pastelaria, fiquei reformado à profissão.
JC - Norberto, 29 de Setembro de 2009 é um dia que para sempre ficará marcado na tua memória. Um gravíssimo acidente de mota colocou-te na condição em que hoje te encontras. Bi-amputado.
Não era a primeira vez que andavas de mota mas, como dizes, a experiência também ainda não era muita! O que se passou?
Norberto Mourão – Esse dia é um dia muito importante na minha vida. Lembro-me de no dia do acidente, ao sair de casa dizer para mim próprio, "só falta um mês para fazer anos", lá peguei na mota e fui trabalhar como fazia todos os dias, nessa altura o meu ajudante estava de férias, por isso passava mais tempo a trabalhar, quando saí do trabalho vim para casa e já muito perto de casa acabei por ter o acidente. Estava a subir a rampa do Bairro das Sousas e abrandei na zona que tem um café para evitar problemas, não fosse aparecer alguém de repente, assim que passei o café acelerei e a mota fugiu na passadeira, voltou a agarrar e sacudiu a traseira, eu fiquei agarrado à mota, sentado em cima do depósito e com o volante a tremer, acabei por embater no passeio e nos pinos que estão no lado esquerdo da estrada, ao bater no passeio o volante virou para a direita e cortou-me a perna direita, a esquerda arrancou um dos pinos que estavas no passeio, fiquei logo sem as duas pernas. A rápida assistência foi fundamental para sobreviver.
JC - Sempre que falas dizes muito bem do Bombeiros Voluntários de Camarate e da assistência prestada por eles, coisa que muita gente se esquece, mais tarde pelo INEM e até no hospital. Sendo que, toda a assistência foi importante, achas que a primeira fase prestada pelos nossos bombeiros foi fundamental para que todo o processo de auxílio à tua pessoa fosse mais fácil e, com isso, não agravasse ainda mais as lesões que já tinhas?
Norberto Mourão – Sem a rápida assistência que tive não tinha sobrevivido. Pelo que me contaram, o carro que vinha atrás de mim era conduzido por uma enfermeira que me assistiu de imediato e chamou os Bombeiros Voluntários de Camarate, eles foram fundamentais para eu resistir aos ferimentos, o que fizeram por mim não tem pagamento, recordo-me perfeitamente desse dia e sei exactamente o que fizeram para me acalmar e para estancar o sangue. O Ricardo Morais ficou a segurar na minha cabeça e foi ele que tirou o capacete, a Liliana Alves foi quem me deu oxigénio, ficou a falar comigo e a acalmar-me, o Rodrigo (espero não estar a enganar-me no nome dele) foi o que ficou com a difícil tarefa de procurar a artéria e estancar o sangue (prefiro não descrever o que ele teve de fazer para a encontrar, porque certamente muitas pessoas ficariam chocadas ao ler a descrição). Esses são os bombeiros que sei que mexeram em mim, mas sei que estavam lá mais 6 se não estou em erro, possivelmente mais 9, para o local foram uma ambulância e um camião dos bombeiros com lugar para 6 pessoas. O INEM depois fez o seu trabalho quando chegou ao local, deu-me morfina e acabei por adormecer. No chão ficou uma mancha de 2,70m de sangue, a perda de sangue foi muito grande, precisei de 6 litros de soro até chegar ao hospital. Já no hospital fui operado com sucesso durante 6 horas.
JC - Após o sinistro estiveste internado quase dois meses, se não estou enganado, sempre mantiveste o pensamento positivo! Querias voltar a andar, ias voltar a andar! Achas que foi importante para a tua recuperação teres esta maneira de pensar forte e decidida?
Norberto Mourão – As previsões era péssimas, o médico que me operou disse que era mais fácil ganhar o Euromilhões do que eu sobreviver e que se sobrevivesse iria ficar cerca de dois meses nos cuidados intensivos, o que é certo é que eu quebrei todas as previsões. Ao fim de dois dias nos cuidados intensivos já andava a pedir à minha mãe para me levar uns alteres, porque não podia perder a força nos braços, chamaram-me logo de maluco e não deixaram lol. Acabei por sair dos cuidados intensivos ao fim de 5 dias, porque não precisaram da cama antes, senão tinha ficado só 3. Desde que acordei no hospital o meu foco foi sempre o mesmo, voltas a andar e a fazer tudo o que fazia antes, estive sempre bem disposto e humorado, sempre dei força a todos, para que se eu um dia ficasse mal, sabia que todos os outros estavam fortes e me iriam ajudar. Lembro-me da psicóloga do hospital me dizer que eu devia fazer o luto das pernas e deixar-me chorar, numa noite pensei nisso e até tentei chorar, mas não consegui porque nunca me fui abaixo :) No dia 29 de Outubro (era o meu dia de anos) os médicos deixaram-me vir a casa, foram os Bombeiros Voluntários de Camarate que me foram lá buscar. Ao chegar à porta de casa disse uma coisa para todos, "demorei um mês, mas cheguei a casa :)". Voltei para o hospital no dia a seguir e tive alta no dia 5 de Novembro, exactamente um mês e uma semana depois do acidente. Podia até ter tido alta 15 dias antes, só não tive porque precisaram de arranjar uma vaga para começar a fisioterapia. Comecei a fisioterapia depois no dia 11 de Novembro no Hospital dos Capuchos e mais uma vez a surpreender tudo e todos com a minha evolução.
A recuperação em casos como o teu pode ser muito lenta mas, com a tua maneira de encarar a vida, no teu caso foi mais acelerada do que é costume.
JC - Como descobriste a para-canoagem e, já agora, porquê?
Norberto Mourão – Nestes casos a grande maioria das pessoas acabam por passar por diferentes fases, desde pensar que o mundo acabou ali, a seguir começarem a aceitar a nova realidade e só numa terceira fase começarem a olhar em frente e a lutarem para ter uma vida normal. Eu comecei logo na terceira fase,
nunca me fui abaixo nem precisei de começar a pensar na nova realidade, segui logo em frente e a fazer tudo o que precisava para evoluir o mais rapidamente possível. A paracanoagem acaba por surgir na busca por um desporto que me permiti-se fortalecer os braços, pois sabia que dependia muito da força de braços para a adaptação às próteses. Tinha dois desportos em vista, Canoagem ou Remo, tive então a possibilidade de experimentar em Setembro de 2010 e comecei a praticar com regularidade em Janeiro de 2011, logo depois de comprar carro e me poder deslocar sozinho. Desde aí nunca mais parei de treinar e os resultados foram aparecendo com naturalidade.
JC - Com isto tornaste-te atleta do Clube Atlético do Montijo praticando a modalidade de para-canoagem. Como foi este início de atleta federado? Que apoios tinhas na altura e quais foram as tuas maiores dificuldades?
Norberto Mourão – A experiência que tinha tido em Setembro de 2010 tinha sido com o treinador do Clube Atlético do Montijo, por isso foi lá que comecei a treinar em Janeiro de 2011. Comecei num barco de mar, mais estável e excelente para a iniciação, federaram-me e logo em Fevereiro
desse ano fiz a minha primeira prova, um Regional de Fundo na Amora
(Seixal), nessa prova o objectivo era acabar a prova e eu consegui.
Logo no início o apoio que tive foi o do clube, que me emprestou o
barco e me ajudava a entrar e a sair dele. Em Junho de 2011 uma empresa
portuguesa (Elio Kayaks) deu-me um apoio fundamental para minha
evolução, um barco de pista novo, que me permitia competir em todas as
provas de Pista e de Fundo, foi nesse barco que ganhei as provas a nível
Nacional e também fui com ele ao Mundial em 2012. As minhas maiores
dificuldades no início prendiam-se com um problema vascular no braço
esquerdo, esse problema teve origem no acidente, ao partir a clavícula
houve um encurtamento daquela zona e em certas posições a veia que passa
por baixo do braço é ligeiramente estrangulada, o braço fica roxo e
perco força. Com a canoagem esse problema praticamente desapareceu e
actualmente acontece muito raramente.
JC - Para superar as dificuldades que tinhas, a nível de adaptação, foi feita uma parceria entre o Clube Atlético do Montijo e a ESTeSL, como e porquê surgiu esta parceria?
Norberto Mourão – Na canoagem para conseguirmos evoluir é preciso que tudo esteja bem adaptado. Eu já tinha um
excelente treinador, um excelente barco para fase em que estava, no entanto para evoluir precisava de uma adaptação, o barco precisa de funcionar como se fosse uma extensão do nosso corpo.
Uma das atletas do Clube Atlético do Montijo estava a estudar na ESTeSL, foi ter com os professores de Ortoprotesia e falou sobre o meu caso, posteriormente também fui lá e fez-se então uma parceria entre a ESTeSL e o Clube Atlético do Montijo. Fizeram então um estudo comigo, tiraram medidas, tanto a mim como ao barco, fizeram-se moldes a chegou-se a um producto final, que é a adaptação que ainda hoje utilizo.
JC - E, efectivamente, que resultados te trouxe a adaptação que “nasceu” desta parceria?
Norberto Mourão – Esta adaptação é fundamental, sem ela seria impossível chegar onde já cheguei, para terem uma ideia da importância dela, em 200m (é a distância da minha principal prova a nível Nacional e Internacional) reduzi o meu tempo em 43 segundos, quase metade do tempo que fiz na minha primeira prova, reduzi de 1:30 para 47.4. Esta adaptação em conjunto com o barco e o treino que fiz, permitiram-me ganhar tudo a nível Nacional e chegar ao 5º lugar num Europeu em 2013.
JC - Hoje em dia continuas com esta parceria?
Norberto Mourão – Sim, a parceria foi feita com o principal objectivo de ir aos Jogos Paralímpicos, neste ano não consegui, mas o foco agora é Tokio 2020. Para além de mim, também existem outros atletas do Clube Atlético do Montijo que continuam a usufruir dela para também eles poderem progredir.
JC - Saíste do CA Montijo para o Sporting CP. Como surgiu esta mudança?
Norberto Mourão – Acabou por ser uma mudança fácil. O Sporting C.P tem um projecto ímpar a nível mundial, através do seu gabinete de desporto adaptado. Esse gabinete abriu em 2014. Fez-se uma abordagem de parte a parte, entre nós do CA Montijo e o dirigente dessa área do Sporting CP para que a Paracanoagem fosse uma das modalidades a integrar este enorme projecto, chegou-se a um acordo e passei a representar o Sporting CP, juntamente com outro atleta do Clube Atlético do Montijo e o nosso treinador de Sempre passou a ser o treinador de Paracanoagem do Sporting. Nesse acordo também ficou estabelecido que continuaríamos a treinar no CA Montijo e iríamos às provas juntos.
JC - És um verdadeiro vencedor! Tanto nas batalhas da vida como nas batalhas dentro d’água! Vencer é o teu foco! Este ano já ganhaste o Campeonato Nacional de Velocidade, a Taça de Portugal de Regatas em linha e o Campeonato Regional de Fundo. O que sentes sempre que ganhas uma prova?
Norberto Mourão – Quando entrei na Paracanoagem, sempre quis competir, porque a competição acaba por ser o que nos dá vontade de evoluir e de nos superar-mos, sem o factor competição, começam sempre a haver dias em que a preguiça fala mais alto e não vamos treinar, como entrei logo na competição isso nunca me aconteceu, sempre me senti motivado e dei sempre tudo nos treinos. Felizmente a nível Nacional as coisas têm corrido muito bem, tenho conseguido ganhar as provas em que participo e isso deixa-me satisfeito, só demonstra que todo o trabalho e o que sofri nos treinos deu resultado.
JC - O que te falta ganhar em Portugal?
Norberto Mourão – Em Portugal já ganhei tudo o que havia para ganhar, no entanto encaro todas as provas como se fosse a primeira vez que a posso ganhar, dou sempre tudo o que tenho.
JC - Internacionalmente não tem corrido tão bem como em Portugal. Este ano, por pouco, falhaste os mínimos para o jogos paralímpicos Rio 2016. O que faltou? O que falhou?
Norberto Mourão – É verdade, nas provas internacionais as coisas não têm corrido como o desejado, mas temos de estar conscientes de alguns factores relacionados com as limitações dos atletas que competem contra mim. As avaliações continuam muito injustas, eu sou o atleta com maiores limitações na minha classe, estou a competir contra atletas com cotos maiores, outros com uma perna inteira e ainda atletas com duas pernas, teoricamente isso não deveria acontecer, mas acontece muito e dá-lhes enormes vantagens, quer na impulsão do barca, como na gestão do esforço. Esse facto nunca me fez desistir, treinei muito, dei tudo o que tinha e estive muito perto da vaga para o Rio 2016. Faltou um pouco de sorte na semifinal que me calhou no Mundial, calhei contra todos os adversários directos na minha semifinal, se fosse na outra tinha conseguido a vaga. No global fiquei em 12º e precisava de ficar em 9º
JC - Quais são os teus objectivos para o futuro?
Norberto Mourão – Os meus projectos para o futuro passam por acabar o 12º ano, falta muito pouco (2 disciplinas) e já comecei a estudar à noite para terminar os estudos. A nível desportivo o objectivo passa por tentar ir aos Jogos Paralímpicos em Tokio 2020, já terei 39 anos nessa altura, mas se reajustarem as avaliações das classes na paracanoagem, penso que terei bastantes hipóteses de ir.
JC - Que história/s ou curiosidade/s mais recordas destes campeonatos nacionais e internacionais onde tens competido?
Norberto Mourão – Todas as provas, desde os regionais às provas internacionais, são cheias de emoção e experiências. Em Portugal é sempre bom rever e falar com todos os atletas que vamos conhecendo de prova para prova, vamos falando muito e divertimo-nos bastante, é um desporto muito saudável em todos os aspectos, só quando o sistema de partida baixa é que somos adversários, mas até lá e depois da prova acabar, ajudamos-nos todos e damos dicas uns aos outros para que todos consigam evoluir mais.
A nível internacional, são experiências bem diferentes e onde nem todos os países têm as condições desejadas em termos de alojamento, para terem uma ideia, no Mundial do ano passado na Alemanha, que foi também prova de qualificação para o Rio 2016, em 5 dias fui obrigado a passar por 4 hotéis, por falta de condições de acessibilidade e da péssima organização deles nesse sentido, foi a minha pior experiência de sempre nesse sentido. Esquecendo esses aspectos negativos, já conheci sítios muito bonitos, que nunca iria conhecer e o ambiente entre atletas também é excelente.
JC - Além da para-canoagem como é o teu dia-a-dia? Quais são os teus hobbies?
Norberto Mourão – O meu dia passa por treinar, neste momento também iniciei a escola no ensino nocturno para acabar o 12º ano, também passo algum tempo a jogar jogos de computador e gosto de sair com amigos, de preferência algo relacionado com desporto, como foi no caso do fim de semana passado, em que fui apanhar uma ondas na praia de Carcavelos em mais um excelente evento organizado por um Camaratense de enorme valor, o Nuno Vitorino.
JC - Falando um pouco de Camarate, como vês a Vila hoje em dia? Tens dificuldade em aceder a determinados locais e serviços de Camarate? Na tua opinião o que podia ser melhorado para pessoas com dificuldades de mobilidade?
Norberto Mourão – A Vila está um pouco como o país, muito há para fazer, mas já muito se vai fazendo. Se precisar de ir à Junta de Freguesia, ou vou com as próteses (felizmente tenho essa possibilidade), ou então fico à porta, uma vez que é no 1º andar. As ruas também têm um piso muito mau, nomeadamente no Bairro São Benedito (onde moro) e no Bairro Mira Loures, andar na rua de cadeira de rodas ou mesmo com as próteses é uma aventura nestes dois bairros. Também há muita coisa boa, como são os casos das boas acessibilidades em alguns serviços, como é o caso dos correios, tanto o do centro da vila como o dos Fetais, o posto médico e as escolas, entre outras.
Camarate tem projectos muito atractivos para a Vila, como é o caso do jardim que já está em construção por cima do Túnel do Grilo, ou do projecto que foi apresentado há dias para a reabilitação do centro da Vila, também irão tornar a Vila mais agradável para todos e as crianças poderão brincar e crescer com alegria usufruindo desses espaços que serão criados.
JC - Tens tido algum apoio local?
Norberto Mourão – Se se referem a apoio da Junta de Freguesia, ou mesmo do Estado, não tenho o apoio de ninguém. Ainda assim a Junta de Freguesia já colocou um corredor de alcatrão no meio da minha rua e já posso descer em segurança com a cadeira ou com as próteses.
JC - Quais são as tuas maiores dificuldades neste momento? Financeiras, trabalho, apoios, mobilidade?
Norberto Mourão – Há sempre dificuldades todos os dias, para sair de casa tenho logo uma rampa muito inclinada e perigosa. Neste momento o meu carro já fica à porta de casa, mas foi uma luta de 6 anos com a Câmara de Loures e com a Junta de Freguesia para me arranjarem um lugar de estacionamento, sendo um Bairro ilegal torna tudo mais difícil, mas penso que um pouco de boa vontade e de bom senso não faz mal a ninguém, facilmente se podem desbloquear certas situações e muitas vezes não o fazem.
A nível financeiro recebo a pensão do seguro, uma vez que o meu acidente foi no percurso para casa, ainda foi dentro da hora em que é considerado acidente de trabalho. É uma pensão pequenina, mas pelo menos é certa.
Nunca mais voltei a trabalhar desde que tive o acidente, a minha prioridade foi sempre o desporto e o objectivo de ir aos Jogos Paralímpicos. Neste momento estou a acabar a escola para a seguir procurar um trabalho.
Apoio tive um a nível pessoal, o de uma empresa aqui de Camarate, da Judite Maria - Operações de Gestão de Resíduos, Lda. foi um apoio muito importante nesta época que acabou. Ao nível do Sporting acabo por ter apoio ao nível das parcerias que fazem, para podermos treinar com as melhores condições.
Em termos de mobilidade é como vos disse, andar na rua aqui no meu Bairro é uma aventura, quer seja de cadeira, ou de próteses, tirando isso, o meu carro leva-me a todo o lado :).
JC - Sabemos que é uma utopia e que o Camarate não tem possibilidade para tal mas, caso a mesma surgisse, vias-te a competir com o símbolo do Águias de Camarate ao peito?
Norberto Mourão – Infelizmente o Águias de Camarate não tem a modalidade e mesmo que a quisesse ter seria complicado, porque não há aqui nenhum rio, o mais perto é em Sacavém e infelizmente não é aproveitado, ainda que lá treinem atletas de renome a nível Nacional, até mesmo o Emanuel Silva (medalha de prata em Londres com o Fernando Pimenta, para além de Campeão do Mundo e vencedor e inúmeras medalhas) já fez alguns treinos em Sacavém. O acesso à água é feito por uma escada na vertical, o que para mim é impossível, mas se houve-se um pouco de boa vontade política, metiam ali um pontão e poderia-se criar um excelente clube de canoagem. Caso o Águas de Camarate tivesse canoagem, dou-vos a certeza de que seria um enorme orgulho poder integrar a secção de canoagem e ajudar em tudo o que fosse possível.
Passei bons anos no Águias de Camarate, nunca como atleta federado, mas treinando com a equipa de Iniciados que subiu de divisão naquela altura.
JC - Como vês o trabalho do Águias de Camarate no que em relação à divulgação do desporto e o acompanhamento às crianças diz respeito?
Norberto Mourão – Tive o prazer de ir ao aniversário do clube no ano passado e aperceber-me do excelente trabalho que está a ser feito ao nível da formação no clube, o projecto da AC FOOT é fantástico e quem está a frente dele é alguém que percebe muito de futebol, para além disso toda a direcção é apaixonada pelo clube e pela vila, o que nos dá a certeza que tudo farão para colocar o clube onde já esteve no passado. Eu acredito neles e no projecto.
E penso que está tudo dito, no entanto há algo que nunca se diz vezes demais, muito obrigado aos Bombeiros Voluntários de Camarate por tudo o que fizeram por mim, quer seja na altura do acidente, como durante todo o tempo que me transportaram para a fisioterapia, é bom ser amigos de muitos deles :) Quero agradecer também a vocês, Jornal de Camarate, pelo convite que me fizeram para esta entrevista, é um enorme orgulho para mim.
Mais uma vez, muito obrigado a todos.
Grande abraço.
Nunca se cansem de fazer bem!